quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Regressar.

A mão de um destino injusto
Vai depressa ou devagar
Não importa tempo e custo
Se tu não sabes regressar

E nas auroras sorridentes
Por entre as curvas das montanhas
A vitória dos prudentes
É sobre a pressa e suas artimanhas

Se à tua frente não há progresso
Tampouco a sonhada felicidade
É a hora do regresso
Reconstrói tua integridade

Os mesmos quilômetros percorridos
De nada serve uma absurda velocidade
O sol brilha no chão desconhecido
Pelo repúdio à trapaça e a vaidade

Primeiro lugar é tolice, ilusão
De que vale na frente disparar
Se tu caíres no poço da danação
Justamente por não saber regressar?

Precaução, palavra-chave
Sentidos atentos são essenciais
Ao mínimo sinal de indecisão apenas trave
E aprenda a progredir voltando atrás

Dúvidas podem e devem aflorar
A ambição consome quem a tudo deseja
Com egoísmo um passo a frente não é avançar
O futuro espera que isso, tu vejas


Samuel Garcia
Piratini, 31/12/2014

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Velho Violão Negro.

De madeira e aço
Tu és feito
Entoa o compasso
Que dança em nosso peito

Um acorde que hipnotiza
Pertencente a outra dimensão
O conjunto que realiza
Os pilares da canção

E tantos dedos já tocaram
E tantas escalas ressoaram
Carícias no teu braço
Sinfonias no meu ouvido

Gerações vieram com os anos
E ainda tens a mesma energia
A forte cor enfraquece
Mas não a bela melodia

E se outro vem em teu lugar
Não te sintas abandonado
És relíquia a preservar
Mereces todo cuidado

Então desfruta o descanso
Comporta a tua voz
Continue assim, mudo e manso
Alguém irá recorrer a vós

Te moldaste para mim
E agora sou mais um filho teu
Tua música não vai ter fim
Ela toca no coração meu


Samuel Garcia
Piratini, 24/12/2014

Cuida de Mim.

Enfrentando fantasmas da lamentação
Eu posso desmascarar as motivações secretas
Minha visão corre ao redor como a veloz correnteza
Na infeliz lágrima que no rosto se dissolve
Flutua no imaginário a razão que a envolve
Comendo os frutos da duvidosa paixão
Sou curado e vou partindo por esse chão
Juntarei diamantes que jazem presos na vontade
E seus brilhos hão de ofuscar o sol

Ouço sofrimentos vindos da impiedosa saudade
Farei soar todo meu amor no limbo fortificado
Retomo a procura por algo inalcançável
Corroi minha já cansada alma seus corações partidos
Guiarei até os mais puros sonhos uma lembrança
Lutem e conquistem a brava perseverança
Vedes que fui desprovido de escolhas
Os céus em meu ouvido sussurraram
Levado de toda a essência brotou então a dolorosa nostalgia
Jamais quero ser lembrado como aquele que vivia
Somente finalizei tudo que aí me cabia

Deveras era o momento decisivo
Infiltrar no infinito proibido
Evitar as tentações deste mundo
Reunir todos os fragmentos da verdade
Ignorar a utopia e crer que é possível a nossa felicidade
Estender a mão ao próximo
Saborear o doce gosto do amor
Acordar sorrindo por entre anjos da guarda
Correr com vontade por entre o verde gramado de Deus, sem parar...

É minha nova morada
Onde pássaros assobiam sigilosas canções
Sobre dores e amores de multidões
De outro plano que outrora eu vivi
Lá onde nunca deixei de sorrir
Uns dirão que fui corajoso
Outros, que fui inocente
Mas o que mais me atormentou
Foi ter que deixar a minha gente

Ouvi e ainda ouço suas orações
O coração bate ansioso
Um pedaço em cada um
Meu olhar atento zela por vocês
Minha luz ilumina seus espíritos
Saibam que estou bem
Por um fato simples e sincero
É o que pra sempre quero
O poder cuidar de alguém

Dedicada a Vagner Garcia
Samuel Garcia
Piratini, 24/12/2014

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

S.

Conheci uma menina de unhas borradas.
Ela entrava na sala correndo, todo dia atrasada.
Os cabelos vermelhos
Os olhos desbotados.

Ela sorria e me dizia: Tu podes me ajudar?

E eu ajudei sempre que pude.
Fazia seus desenhos, suas escritas, suas construções;
Seus dialetos, suas cicatrizes e suas pontes.

E foi de uma delas que a menina pulou...

E quando ela me disse que já se ia
Eu lhe implorei que se deixasse estar
Um minuto a mais que fosse,
Pois eu já não lembrava como era a vida

Sem os atrasos dela.  

Mas ela foi
E a terra há de surrupiar seus olhos sem cor
O vermelho dos seus cabelos
Porém ela permanecerá em todo o lugar

Todo lugar.