domingo, 13 de maio de 2018

Flávia.

"Época de votos sagrados
Aceitei meu papel sem imaginar
Que certos fios dourados
Minha infância iam rondar"

Havia um perfume a pairar
Sobre o cabelo molhado
Delícia de prazer em mirar
Um belo rostinho fechado

Certo dia teu sorriso me quis
No ritmo de um "pega-pega"
Senti o que não se diz
Nem mesmo se nega
(Embora se tente...)

Ah, Flávia... Toda de branco
Do fundo do quarto me sorriu
A pequena noiva era um encanto
E meu disfarce com o chão colidiu

De mãos dadas
Beijaste a minha, logo surpreendeu
Foste princesa em um conto de fadas
E teu príncipe era eu

Quando não mais te encontrei
Foi duro ocultar o abalo
Sem opção, repassei
O beijo e o seu estalo

Pensei: "Adeus..."
Pouco sabendo de chance e dimensão...

Ali atrás eu te via
Tratei o acaso como a um tesouro
Cinco vezes se repetia
Tua cabeleira de ouro

Acalentaste mais e mais a ousadia
Beijos viajaram sorrateiros até mim
Selada com eles uma agonia
Por falhar em te retribuir assim

Distantes de minha fuga nefasta
Fomos omissos na morte da solidão
Livres do bom senso que arrasta
As infinidades da imaginação

Ah, Flávia... Eu muito quis
Expor as marcas que em mim desenhaste
Fosse com lápis, caneta ou giz
Tornava evidente o contraste

Pensei: "Por que será...?"
Erguem-se reinos, nascem realezas...

Em teus olhos esvaeceu a emoção
Beijos não viram a cor da partida
Soltaste, enfim, minha mão
Ao tempo em que fingi ignorar a ferida

A natureza o que não concede, priva
Sem querer convidei o extermínio
Mas subestimei a alternativa
Suportar a falta de teu fascínio

O principado outrora soberano decaiu
Dos entulhos reviveram teus velhos truques
Aperfeiçoados como antes não se viu
Para cortejar marqueses e duques

Ah, Flávia... Espantada ficaria
Com o que consistia meu coração
Mobiliado com teimosia
Coberto por contradição

Declarei um ou outro sortudo
E eu, mero desolado
Graças ao insistente escudo
Que proibia teu capricho enamorado

Pensei: "Algo deve ser feito..."
Limites não são de aço...

Engolido pelo ciúme
Abocanhado pela saudade
Intolerante, cheguei ao cume
Rompi com minha capacidade

Contei em partes o meu agrado
Porque me castigava o impiedoso presente
Segui os passos do passado
Para ser o teu príncipe novamente

Ah, Flávia... Celebrei o teu retorno
Cinzas ferveram mesmo moribundas
Não está frio o que está morno
Surgem botões nas flores fecundas

Provocante! Quase surreal 
Despejo de palavras cruas e pesadas
Mas eu quis e era o garoto ideal
Teu parceiro de viagens alucinadas

"Eis que chega o cansaço antes inexistente..."

Flávia sussurrava sem avisar
Seus absurdos vorazes
Esteve a me despir e idolatrar
Em seus delírios mais mordazes

Flávia atestava sem refletir
Tantas promessas sacanas
A malícia a atiçava em perseguir
A selvagem paixão e suas gincanas

Flávia perdeu-se em cenários
Esbanjados de luxo, soberba e ilusão
Apenas fins involuntários
Para nossa desgastada relação

Flávia, uma garota como tantas
Com sua distorcida noção de valores
Amargo fel que desorienta e desencanta
Juras de pequenos eternos amores

"Loiro o que era dourado
Crianças e seus crimes
Devidamente coroados
Com as perfeições mais sublimes"


Samuel Garcia
Piratini, 13/05/2018