sábado, 8 de dezembro de 2018

Ouroboros.

“Dos sete anos que restavam
Vestígio algum se avistou
Júpiter e Urano bradavam:
“Saturno se adiantou!”

Sete relatos arquivados
Eram de claros penumbrosos
Deixei-os no jardim estirados
Aos tratos de versos curiosos

Para muitos deve ser bobagem
Cautela não rima com excesso
Mas qual será a vantagem
Em atrasar a compra do ingresso?

O pouco perdido não desfaz a fartura
Desde que migre breve e lento
Mas como será a estrutura
Que propicia este movimento?

São paradas que demarcam um circuito
Acima de rotular impressões
Honesta lealdade a um intuito
Tingir de poesia expressivas sensações

“Me vejo perdido, encurralado
Em um universo perfeito
Admiro esse paraíso, maravilhado
E percebo a felicidade no meu peito”


Samuel Garcia
Piratini, 08/12/2018

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Miranda.

“A tarde embarca em seu retiro
O portal quadra como moldura
A musa de longo suspiro
Referência em vibração e postura”

Rege a dança tal a cartilha
Talvez foste mais branda
O castanho capilar entorpece à presilha
Quem estava lá, Miranda?

Meio-dia se aproxima e o desgaste recai
Na quente estrada, pedalas não andas
O paralelo vagaroso te contrai
Quem estava lá, Miranda?

Qual é a recordação que hiberna?
E despista o que jamais vai regressar?
A reação somente desperta e externa
O que soube realmente impactar

Opostos em moderada discordância 
Devido a esta origem una
Há eras e locais de distância
Onde a indecência puna

Cavalgadas coleciona
Sobre e rente à coxilha bonita
Brava herdeira amazona
Autêntica filha de Anita

Portando exímia valentia
Estiveste no vão entre os umbrais
Ao estresse desumano resistia
Apoiada à cantiga que não toca mais

O rodízio sem fim das estações
Saúda com fervor tua sobrevivência
Dama de palácios e galpões
Devota dos costumes da querência

Hoje alguém te reconhece
Pela mesma aura instigante 
Cisma quando amadurece
É uma tara quieta e gritante

A camiseta cortês ao vento a refrescar
O short que livra as pernas morenas
Já não há viração que possa despachar
Repetições tão vigorosas e amenas

Recepções e redes sociais
Hoje alguém entra no ringue
Por teus contatos passionais 
Por um romance que vingue

Miranda é...
Soma que transcende quantidade
Matéria e espírito em lua de mel
Ação imediata aos pés da ansiedade
Jogo limpo de vítima e réu

Se um caso é um “descuido”
Outro casal é igual pecador
Nos quatro circula o mesmo fluido
Isento de atuar como promotor

Confissões servas do que não virá
Infiéis a um esboço de perfeição
A névoa em segredo partirá
Expondo o fracasso sem contenção

Improvável não haver nenhum gesto
Nada que reúna o que há de sensível
Imprevisto e independente manifesto
Frenético e convincente cercando o irresistível

Hormônios veranistas vêm e vão
Se famintos acabam estagnados
Hoje alguém ora em comunhão
Com seus nervos desafogados

Quem tanto ensaiou lhe aparecer
Entrou no salão, formosa e inusitada
O óbvio se fez resgatar e crescer
Ela é só uma parente afastada

Mesmo por réstias de ti
Uma cartada alegaria perigo
“Salvo” e sem cobrar de si
Hoje alguém interage contigo

“Descansam em qualquer galeria 
Artes ligadas à estima 
Mas o ápice da maestria
É ser tão obra quanto prima”


Samuel Garcia
Piratini, 12/11/2018

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

A Segunda Voz.

"O sagrado punhal do insulto
Repousa na bainha da ignorância
A cada aurora um novo culto
Prega sensacionalismo e discrepância"

Ó, lâmina da ofensa
Abençoado fio de presunção
Orienta esta dividida crença
Entre demérito e gratidão

Querendo o sabor da proeza
Pedi a conversão de todos meus feitos mundanos
Em retorno lhe ofereci uma presa
Para teus rituais profanos

Prostrei a oferenda no altar
A concepção alheia foi o meu recomeço
Como um mandamento a me nortear
Nada seria além do que mereço

Confuso sinal, claro recado
As vertigens não eram em vão
Ao menos preferia ter evitado
A ferocidade desta solidão

Hesitar é verbo de instantes
Logo o punhal segurei
A ambição nos diz que o relevante
Sempre joga duas caras e uma lei

Perdi os olhos no corte a sangrar
Um misto de êxtase e ceticismo
Longínquo foi apadrinhar
Todo um protagonismo

Velada a segunda voz
Golpeei sem amortecer
O astral do infeliz só
É pálpebra a se estender

O bobo da corte diverte
Porém travesso este não é mais
Tão estranho, tão inerte
Trocou circos por tribunais

Ó, lâmina da ofensa
Separa poder de pudera
Derrota a desavença
Quem internamente opera

Respingos de integridade caíram esporádicos
Correram pela língua à espreita
Evidência de inúmeros métodos sádicos
Empregados sob tua receita

No calar dos protestos
Altos drinques de consolidação
Outros tantos indigestos
Já descartam oposição

O percurso da conquista
Destaca-se no mapa das decisões
Mas essa bagagem otimista
Distorce desvios e direções

A inflada pompa guarnece
O meu fingir fragilizado
O conhecimento adormece
Em um cativo martirizado

Valia que não foi prioridade
Repenso o que é ser repleto
Entre os discursos de idoneidade
Cantar falácias era o predileto

O orgulho sufoca com ironia
Ponho em pé quem derrubei
Não interessa a hipocrisia
Preciso provar que avancei

Do limbo eis a segunda voz
Sou grato a toda compaixão
Filia-se à trégua o algoz
E a audiência exige explicação

Ó, lâmina da ofensa
Abençoado fio de presunção
Orienta esta dividida crença
Entre demérito e gratidão

"Existe sangue transparente como água..."


Samuel Garcia
Piratini, 26/09/2018

sábado, 4 de agosto de 2018

Reinvenção.

"Imperceptível distração
Um efeito sem causa
Uma pétala na mão
Das quedas uma pausa"

Reinventado fui

Dramas compartilhados
A filha prepotência flui
Papéis tão ponderados 

A queda do pedestal

As promessas de vingança
O consenso total 
Alienar a esperança

O justo guiado pelo egoísmo

A outra alternativa a seguir
O pico do extremismo
A hora certa de refletir

A herança do patriarca

A tragédia sepultada viva
O episódio que mais marca
A comoção que mais cativa

O vício evoluído a propósito

O traje da relutância
A culpa não levada em depósito
O homicídio com elegância

O decreto não assinado

As previsões do povo antigo
O inferno quase escancarado
A mentoria do inimigo

A ganância em nome da glória

O pacto de custo impensável
O humano rebaixado a escória
O perdão próximo e inalcançável

O chão desaparece

Os arredores estavam aqui
Qualquer imersão fornece
Roteiros de "ir e vir"

"Quiseram os impulsos

E um precipício já aguarda
Baques esperados e avulsos
Fortalecem ainda que tarda"


Samuel Garcia
Piratini, 04/08/2018

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Mirela.

"De onde vieste, sereia?
O olhar é teu traidor
A maré indomável permeia
Tão fiel refletor"

Mirela...
Imperatriz dos mirares
Teu semblante, uma tela
Praias, rochas e mares

Mirela...
Tímida apontou
Leal sentinela
Guarda o mar que a criou

Sardas dispersas no rosto redondo
O negro das mechas é um cobertor
Remete às ondas e uma estrela se pondo
Sob tua vigília de paciência e amor

Ah, os raios de azul!
Medusa que congela
O tempo não tem sul
Se te namoro, ó Mirela

Mirela que me persegue
Amiga do sono de noites e tardes
Imagino toda uma vida entregue
Aos teus olhos discretos e alardes

"A sinfonia que vem do azul mais escuro
É o afago que move tu'alma sem morada
Sinto na pele murmúrios do futuro
A brisa de uma nova chegada"


Samuel Garcia
Piratini, 20/06/2018

domingo, 13 de maio de 2018

Flávia.

"Época de votos sagrados
Aceitei meu papel sem imaginar
Que certos fios dourados
Minha infância iam rondar"

Havia um perfume a pairar
Sobre o cabelo molhado
Delícia de prazer em mirar
Um belo rostinho fechado

Certo dia teu sorriso me quis
No ritmo de um "pega-pega"
Senti o que não se diz
Nem mesmo se nega
(Embora se tente...)

Ah, Flávia... Toda de branco
Do fundo do quarto me sorriu
A pequena noiva era um encanto
E meu disfarce com o chão colidiu

De mãos dadas
Beijaste a minha, logo surpreendeu
Foste princesa em um conto de fadas
E teu príncipe era eu

Quando não mais te encontrei
Foi duro ocultar o abalo
Sem opção, repassei
O beijo e o seu estalo

Pensei: "Adeus..."
Pouco sabendo de chance e dimensão...

Ali atrás eu te via
Tratei o acaso como a um tesouro
Cinco vezes se repetia
Tua cabeleira de ouro

Acalentaste mais e mais a ousadia
Beijos viajaram sorrateiros até mim
Selada com eles uma agonia
Por falhar em te retribuir assim

Distantes de minha fuga nefasta
Fomos omissos na morte da solidão
Livres do bom senso que arrasta
As infinidades da imaginação

Ah, Flávia... Eu muito quis
Expor as marcas que em mim desenhaste
Fosse com lápis, caneta ou giz
Tornava evidente o contraste

Pensei: "Por que será...?"
Erguem-se reinos, nascem realezas...

Em teus olhos esvaeceu a emoção
Beijos não viram a cor da partida
Soltaste, enfim, minha mão
Ao tempo em que fingi ignorar a ferida

A natureza o que não concede, priva
Sem querer convidei o extermínio
Mas subestimei a alternativa
Suportar a falta de teu fascínio

O principado outrora soberano decaiu
Dos entulhos reviveram teus velhos truques
Aperfeiçoados como antes não se viu
Para cortejar marqueses e duques

Ah, Flávia... Espantada ficaria
Com o que consistia meu coração
Mobiliado com teimosia
Coberto por contradição

Declarei um ou outro sortudo
E eu, mero desolado
Graças ao insistente escudo
Que proibia teu capricho enamorado

Pensei: "Algo deve ser feito..."
Limites não são de aço...

Engolido pelo ciúme
Abocanhado pela saudade
Intolerante, cheguei ao cume
Rompi com minha capacidade

Contei em partes o meu agrado
Porque me castigava o impiedoso presente
Segui os passos do passado
Para ser o teu príncipe novamente

Ah, Flávia... Celebrei o teu retorno
Cinzas ferveram mesmo moribundas
Não está frio o que está morno
Surgem botões nas flores fecundas

Provocante! Quase surreal 
Despejo de palavras cruas e pesadas
Mas eu quis e era o garoto ideal
Teu parceiro de viagens alucinadas

"Eis que chega o cansaço antes inexistente..."

Flávia sussurrava sem avisar
Seus absurdos vorazes
Esteve a me despir e idolatrar
Em seus delírios mais mordazes

Flávia atestava sem refletir
Tantas promessas sacanas
A malícia a atiçava em perseguir
A selvagem paixão e suas gincanas

Flávia perdeu-se em cenários
Esbanjados de luxo, soberba e ilusão
Apenas fins involuntários
Para nossa desgastada relação

Flávia, uma garota como tantas
Com sua distorcida noção de valores
Amargo fel que desorienta e desencanta
Juras de pequenos eternos amores

"Loiro o que era dourado
Crianças e seus crimes
Devidamente coroados
Com as perfeições mais sublimes"


Samuel Garcia
Piratini, 13/05/2018

quinta-feira, 1 de março de 2018

Aquele por Quem se tem Amor.

"5 voltas no calendário
A casa jaz organizada
A campainha anuncia o calvário
Fere toda infância imaculada"

Cacos de tua impaciência
Recolhi em uma tarde na varanda
Aqui, valeu minha prudência
O destino não sugere, ele demanda

Pedaços de teu querer bem
Coletei na mesa de jantar
Tradição sagrada que vem
Na forma de um filho pra visitar

Porções de tua nem tão cansada imagem
Juntei no berço da consciência
Ignorante da nunca ausente contagem
Que espreita e alcança nossa existência

Na camisa de leve marrom
Cada listra é um paralelo
Acompanha o decidido som
Do juiz e seu martelo

Percorri metros com determinação
Pois incumbiste a mim teu recado
O gracioso futebol na televisão
Requeria um amigo ao lado

Beirando a inexpressão
Desapareceu aquela imponência
A estranheza veio sem precaução
Apesar da escassa convivência

Fecharam-se teus olhos pr'esse mundo
A reflexão reinou sufocante
A perda é vítima do mesmo segundo
Que busca o choro transbordante

A lágrima era uma conhecida
Mas trouxe algo a mais consigo
Uma angústia jamais sentida
Que anula qualquer birra e castigo

Então as nuvens traem o sol
Então os espinhos povoam a roseira
Queria a isca sem anzol
E um poema na cabeceira

"Ó, aquele por quem se tem amor
Dedilha tua mais bela canção
Encilha teu dia mais sonhador
Que aí o impossível é uma fração"

Dedicada ao avô, Amado e a todos que vieram antes
Samuel Garcia
Piratini, 01/03/2018